segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Doença respiratória em bebês prematuros



As doenças respiratórias são responsáveis pela maioria dos atendimentos em salas de emergência, internações hospitalares e admissões em unidades de terapia intensiva, representando importante problema de saúde pública para qualquer população, por sua elevada demanda, pelos altos custos e pelo uso, muitas vezes, indiscriminado de antimicrobianos.

Recém-nascidos prematuros, por suas próprias características físicas, nutricionais e imunitárias, apresentam maior morbidade e mortalidade associadas a essas infecções. Com o crescente aumento no número de partos prematuros, associado à maior sobrevida desses pré-termos, cada vez mais extremos, estratégias de prevenção de infecções respiratórias nesse grupo de pacientes se tornam fundamentais, a fim de se garantir a saúde dessa população, inclusive em longo prazo.
Com gestações ocorrendo cada vez mais tardiamente ou precocemente (gravidez na adolescência) e com o aumento do número de fertilizações in vitro, com consequente aumento de gestações múltiplas, temos assistido, nos últimos anos, a um importante incremento no número de partos prematuros.

As Unidades de Terapia Intensivas Neonatais (UTIN) contam hoje com um avançado arsenal de recursos técnicos e humanos, desenvolvidos para possibilitar a sobrevida desses prematuros, muitas vezes extremos (< 1.000 g), com a constante preocupação em diminuir a mortalidade, além de minimizar as sequelas, frequentes nesses recém-nascidos.

As infecções respiratórias agudas respondem por cerca de 20% a 40% das hospitalizações pediátricas e entre 30% e 60% das consultas aos serviços de emergência. Em menores de cinco anos de idade representam a principal causa de mortalidade (cerca de 30%) e de hospitalização (cerca de 50%), evidenciando, desta maneira, sua enorme importância em Saúde Pública.

Em lactentes desnutridos, com piores condições socioeconômicas, ou, ainda, em prematuros as doenças respiratórias assumem maior importância, devido a fatores de agravo próprios dessas populações.

A literatura aponta que pré-termos com idade gestacional < de 34 semanas apresentam maior risco relativo de hospitalização, quando comparados aos RNT, especialmente por infecções de vias aéreas, muitas vezes associadas a crises de chiado.
As infecções virais pelo VSR (vírus sincicial respiratório), influenza, rinovírus, adenovírus, para influenza e metapneumovírus respondem pela maior parte dos casos, porém as infecções bacterianas causadas pelo pneumococo, Haemophilus influenza, Moraxella catharrallis e Staphylococcus aureus estão associadas à maior gravidade e respondem pela utilização de boa parte dos antimicrobianos na infância.

Podemos classificar, didaticamente, essas infecções de vias aéreas como: 1) altas: otites, rinossinusites e faringoamigdalites e 2) baixas: traqueítes, bronquites e pneumonias. Doenças invasivas, como pneumonia bacterêmica, sepse e meningite, são também de transmissão respiratória.

Devemos lembrar que o investimento na saúde desses recém-nascidos prematuros é enorme, porém a atenção à prevenção de doenças respiratórias e à vacinação nesse grupo de pacientes é, muitas vezes, esquecida ou incompleta, adiando a proteção desses neonatos.
Atualmente dispomos de imunobiológicos eficazes e seguros contra diversas doenças virais e bacterianas, que podem desenvolver-se de maneira mais grave em prematuros, tornando esse grupo merecedor de especial atenção na prevenção dessas moléstias infecciosas.
A Sociedade Brasileira de Imunizações sugere um calendário vacinal próprio para o RNPT, no intuito de orientar neonatologistas, pediatras e infectologistas na prevenção de algumas doenças respiratórias e no seguimento dos pré-termos.
De uma maneira geral os prematuros apresentam concentrações séricas de anticorpos inferiores ao recém-nascido de termo (RNT), em consequência da interrupção precoce da gestação. É sabido que grande parte dos anticorpos maternos, especialmente da classe IgG, é transferida via transplacentária no terceiro trimestre da gravidez, sendo que as concentrações séricas no RN se relacionam diretamente com a idade gestacional.
Estudo de resposta vacinal feito com RNPT extremos, com peso de nascimento < de 1.000 g e idade gestacional < 29 semanas, acompanhados por sete anos, mostrou títulos diminuídos de anticorpos para várias vacinas, porém a maioria desses pré-termos apresentava títulos protetores. Quando medida, a avidez dos anticorpos nesses prematuros se mostrou comparável aos RNT e a memória imunológica é satisfatoriamente induzida.

Todas essas características tornam os RNPT mais suscetíveis às diversas doenças respiratórias, além deles frequentemente apresentarem patologias concomitantes, que atuam como fatores agravantes.
Outros fatores são extremamente importantes no desenvolvimento de doenças respiratórias no RNPT: as vias aéreas de menor calibre, sua menor reserva energética, o comum desmame precoce, a displasia bronco pulmonar, a permanência de cateteres, a internação prolongada, além do uso frequente de corticosteroides. A sobrevida de recém-nascidos cada vez mais prematuros aumenta a ocorrência de doenças pulmonares crônicas, muitas vezes obstrutivas, com tosse e sibilância, sendo importante fator de complicações nesses prematuros.

Devemos lembrar que a frequência e gravidade das infecções respiratórias nesses recém-nascidos estão inversamente relacionadas com o peso de nascimento e a idade gestacional.

Aspectos práticos da imunização do pré-termo

O cumprimento do calendário de vacinas no RNPT é muitas vezes inadequado, por demora inadvertida no seu início ou por atraso na administração de doses subsequentes devido a doenças debilitantes.

Algumas vezes a adesão ao esquema vacinal encontra resistência por parte dos pais, que por receio ou desconhecimento temem por eventos adversos mais sérios.

Para aplicação de vacinas em RNPT, especialmente de extremo baixo peso, alguns fatores devem ser considerados:

· Estabilidade clínica
· Local de aplicação: devido à reduzida massa muscular e escasso tecido celular subcutâneo, dá-se preferência à aplicação de vacinas intramusculares no músculo vasto lateral da coxa, com agulhas mais curtas, apropriadas à anatomia do pré-termo
· Doses e intervalos: os RNPT devem receber vacinas nas doses habituais, não fracionadas, mantendo-se os volumes injetados e respeitando-se os intervalos entre elas, como nos RNT, a fim de obter uma resposta imune adequada
· Calendário: o calendário deve ser geralmente seguido, de acordo com a idade cronológica da criança, com algumas variações e particularidades que discutiremos em seguida.

Vacinação na unidade neonatal


Mesmo enquanto o RNPT estiver hospitalizado já é possível iniciar seu calendário vacinal, respeitando sua idade cronológica, porém alguns fatores devem ser considerados:

A princípio estão contraindicadas todas as vacinas de vírus vivos, pelo risco de eventual propagação intra-hospitalar, numa população de imunodeprimidos (p. ex.: pólio oral e rotavírus).

As condições clínicas do RNPT devem ser adequadas, especialmente as hemodinâmicas, infecciosas, metabólicas, renais e ventilatórias. Quando o RN se encontra em fase de ganho de peso, sem apresentar distúrbios agudos ou patologias graves, a vacinação pode ser instituída. A família deve ser devidamente esclarecida e orientada quanto a eventuais eventos adversos, além de receber documento comprobatório do ato vacinal.

Eventos adversos da vacinação no pré-termo

De uma maneira geral os eventos adversos das vacinas são semelhantes, tanto em frequência quanto em intensidade, em RNPT e RNT. Não há contraindicação para o uso de vacinas de vírus vivos em pré-termos, exceto quando se encontrar hospitalizado.

Em relação aos eventos adversos leves, locais ou sistêmicos, como febre baixa, irritabilidade, dor local, edema e vermelhidão, sua ocorrência e intensidade independem da idade gestacional.

Uma associação entre a aplicação da vacina tríplice bacteriana de células inteiras (DTP) combinada com Haemophilus (Hib) e o aumento de episódios de apneia tem sido relatada, especialmente em recém-nascidos com idade gestacional inferior a 31 semanas, porém essa associação não foi observada com o uso das vacinas acelulares.

Recomendações especiais para prevenção de doenças respiratórias

Vacinação contra influenza

A proteção contra o influenza, já indicada rotineiramente para lactentes de 6 a 23 meses de vida, tem sua indicação reforçada no caso de bebês prematuros, que apresentam taxas de hospitalização, morbidade e mortalidade mais elevadas, podendo alcançar taxas de letalidade pelo influenza e suas complicações, próximas a 10% em recém-nascidos com patologias crônicas respiratórias, cardíacas, renais ou metabólicas.

Em 1992, Groothuis e cols. mostraram através de um estudo de imunogenicidade, uma menor resposta à vacinação contra influenza em RNPT com doença pulmonar crônica, quando comparada a RNT saudáveis, porém os títulos se mostraram protetores para as três cepas de influenza contidas na vacina.

A vacina deve ser aplicada rotineiramente a partir de seis meses de vida, no outono, em sua formulação pediátrica por via intramuscular. São aplicadas duas doses na primo vacinação com intervalo de um mês entre elas e nos anos subsequentes em dose única, sempre respeitando a sazonalidade da doença, ou seja, a vacinação deve ocorrer antes do início da circulação do vírus influenza.

Duas importantes estratégias para a prevenção de influenza nos menores de seis meses de vida, que ainda não podem receber a vacina, são a vacinação rotineira de gestantes, com proteção materna e transferência de anticorpos da classe IgG da mãe para o feto, e a vacinação de pais, cuidadores e profissionais de saúde que lidam com o pré-termo a fim de diminuir o risco de transmissão da doença para ele. Desta forma é altamente recomendada a vacinação de todos os contactantes dos prematuros, pois mesmo a vacinação da gestante poderá não conferir proteção ao recém-nascido.

Vacina antipneumocócica
Shinefield e cols. demonstraram que o risco de adquirir doença pneumocócica invasiva é maior nos recém-nascidos pré-termo, quando comparado aos de termo, com risco relativo de 1,6 e também maior nos recém-nascidos de baixo peso ao nascer, quando comparados aos de peso normal ao nascimento: risco relativo de 2,6. O risco se eleva quanto menor a idade gestacional e menor o peso ao nascer.

Nesse estudo os autores também estudaram a imunogenicidade e a eficácia da vacina pneumocócica 7 valente em RNPT e de baixo peso. Para alguns sorotipos (19F, 4 e 9V) a resposta imune (média geométrica de anticorpos) foi ainda maior no grupo de prematuros, quando comparados aos de termo. A vacina apresentou eficácia de 100% contra doença invasiva pneumocócica (nenhum caso no grupo vacinado e nove casos no grupo-controle).

Não houve diferenças significativas em relação aos eventos adversos locais ou sistêmicos, quando comparado ao grupo-controle que recebeu a vacina anti-meningocócica C conjugada. O grupo de pré-termos que recebeu vacina conjugada antipneumocócica, simultaneamente com a tríplice bacteriana de células inteiras, apresentou incidência maior de convulsão febril quando comparado ao grupo de recém-nascidos a termo, porém este achado deve refletir a maior ocorrência de episódios convulsivos nesse grupo, independentemente das imunizações.

Ruggeberg e cols. demonstraram, em recente estudo, a indução de memória imunológica com a vacina conjugada heptavalente em prematuros no Reino Unido, aplicando um esquema acelerado de três doses, aos 2, 3 e 4 meses, com posterior reforço com a vacina polissacarídea.

A vacina conjugada contra o pneumococo está indicada para todos os prematuros, mesmo aqueles sem comorbidades, a partir de dois meses de idade, no esquema habitual de três doses, com intervalo de dois meses entre elas e um posterior reforço aos 15 meses de idade.

Vacina contra tuberculose (BCG)
Embora não seja contraindicação absoluta, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) recomenda a aplicação da vacina intradérmica contra a tuberculose (BCGid) somente em recém-nascidos com peso superior a 2.000 g. Não há, na literatura, estudos que corroborem essa conduta contudo, essa recomendação vem sendo mantida.

Prevenção da infecção pelo vírus sincicial respiratório (VSR)
O VSR é o principal agente das infecções respiratórias agudas que acometem o trato respiratório inferior em crianças menores de um ano de idade. Como o vírus influenza, na maioria dos locais, apresenta uma sazonalidade definida, causando epidemias anuais nos meses do outono e inverno.

Assume fundamental importância quando acomete os recém-nascidos pré-termo, apresentando risco aumentado de evolução mais grave. A frequência de hospitalização nesse grupo chega a ser dez vezes maior que em RNT e a morbidade da infecção por VSR nos prematuros é maior, associada ao tempo de hospitalização mais prolongado. Outros grupos de risco são os portadores de doença pulmonar crônica, cardiopatas e portadores de imunodeficiências.

Os esforços para o desenvolvimento de uma vacina contra o VSR continuam, mas são grandes os obstáculos, principalmente no que se refere aos eventos adversos graves com as vacinas já testadas. Estudos com técnicas recombinantes e partículas inativadas estão sendo conduzidos, porém ainda sem resultados concretos.

Atualmente a prevenção tem sido feita através da imunização passiva, ou seja, pela administração de imunoglobulina anti-VSR. Encontram-se disponíveis dois produtos para a prevenção da infecção pelo VSR: a imunoglobulina intravenosa contra o VSR (VSR-IGIV) e o palivizumabe, anticorpo monoclonal humanizado, dirigido contra a glicoproteína F do VSR, para uso intramuscular.

A administração da VSR-IGIV é feita na dose de 15 ml/kg, mensalmente, durante os meses de circulação do VSR. Não deve ser utilizada em cardiopatias cianóticas e vacinas de vírus vivos (sarampo e varicela) só poderão ser aplicadas nove meses após a última dose da imunoglobulina.

O palivizumabe é 50 a 100 vezes mais potente que a VSR-IGIV, diminuindo em até 70% as hospitalizações pelo VSR nos prematuros imunizados, além de reduzir a morbidade nos hospitalizados, com diminuição no número de dias de oxigenoterapia e das admissões e permanência em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Recentemente, também foi evidenciado que as crianças que receberam palivizumabe tiveram menor recorrência de sibilos, quando comparadas àquelas que não foram imunizadas. Não previne infecções pela influenza, nem a ocorrência de otite média.

O palivizumabe deve ser aplicado por via intramuscular, na dose de 15mg/kg, mensalmente, durante os cinco meses consecutivos do ano com alta circulação de VSR, o que geralmente corresponde aos meses de março a setembro. Recomenda-se que a primeira dose seja administrada ainda na unidade neonatal, antes da alta do prematuro, preferencialmente 1 a 2 dias antes. Não se recomenda a utilização desses produtos para o tratamento das infecções pelo VSR.

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) propõe a recomendação do uso de palivizumabe, nas seguintes situações:
· Altamente recomendado:

1) Para prematuros até 12 meses de idade que nasceram com idade gestacional inferior a 28 semanas
2) Para RN com displasia bronco pulmonar e cardiopatas com até 2 anos de idade, desde que tenham recebido tratamento clínico nos últimos 6 meses.
· Recomendado:
1) Para os prematuros até o sexto mês de idade que nasceram com idade gestacional de 29 a 32 semanas
2) Para os prematuros até o sexto mês de idade que nasceram com idade gestacional de 32 a 35 semanas e que apresentem dois ou mais fatores de risco: crianças institucionalizadas, irmão em idade escolar, poluição ambiental, anomalias congênitas de vias aéreas e doenças neuromusculares severas.

O palivizumabe também tem sido utilizado no controle de surtos de infecção hospitalar pelo VSR, seja em UTI neonatal ou pediátrica.

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